quinta-feira, 13 de abril de 2017

Villa-Lobos e o Violão



O ano era 1903. Santos Dumont acabara de chegar de sua vitoriosa empreitada em Paris. Dentre as muitas homenagens que recebeu, uma se destacou em seu coração. Um grupo de "chorões" toca uma música de Eduardo Neves:

"A Europa curvou-se ante o Brasil
E clamou parabéns em meigo tom
Brilhou lá no céu mais uma estrela
Apareceu - Santos Dumont"

Dentre o grupo, encontrava-se um rapaz magrinho que tocava a ocarina. Mas que já era mestre ao violão, e com ele, ajudava no sustento da família, dando lições a cinco mil-réis por mês. O jovem era ninguém menos do que Heitor Villa-Lobos, ou simplesmente Villa. Já não era mais o "fujão" Tuhu. Trazia nos ombros a responsabilidade de ser o "homem da casa" após a morte de seu pai. Já não havia em sua casa a ilusão de que iria tornar-se médico. Deveria ser músico. Melhor guiar-se pelo coração seresteiro do que torna-se um mau médico, como diria a sua amada tia Fifina.




Villa-Lobos passou a integrar o grupo de choro Cavaquinho de Ouro, que tocava músicas de Ernesto Nazareth, Joaquim Callado, dentre outros. Convivia com Quincas Laranjeira, João Pernambuco, Pixinguinha, Donga, Catullo da Paixão Cearense, dentre outros. Mas não se resumiu ao choro. Estudou a técnica dos grandes nomes do violão europeu, como Tárrega, Carcassi e Sor. Em seu famoso encontro com Andrés Segóvia, disse-lhe que "não era violonista, mas sabia toda a técnica de Carulli, Sor, Aguado, Carcassi, etc" (TABORDA, 2011)

Joaquim Callado


As primeiras composições de Villa-Lobos para o violão datam de 1899, com a "Mazurka em Ré" e "Panqueca". Infelizmente estas obras foram extraviadas. Mas o velho Villa ainda iria nos deixar grandes obras para o instrumento, compondo até 1950 para o mesmo. Mesmo tendo estudado técnicas europeias, a música de Villa traria sempre o caráter nacionalista. Entre os anos de 1908-12 ele escreve a "Suíte Popular Brasileira", composta por 5 peças (Mazurca-choro, Schottisch-choro, Valsa-choro, Gavota-choro e Chorinho).

Choros, Estudos e Prelúdios

Em 1920, Villa-Lobos compõe o "Choro nº 1", em homenagem ao mestre Ernesto Nazareth. Esta obra é o "abre-alas" para uma série de 17 choros, que refletem o virtuosismo deste e a habilidade em juntar a técnica e a expressão popular em uma única obra. Em suas próprias palavras, Villa-Lobos afirma que os Choros são construídos "segundo uma forma técnica especial, baseada nas manifestações sonoras dos hábitos e costumes dos nativos brasileiros, assim como nas impressões psicológicas que trazem certos tipos populares, extremamente marcantes e originais" (TABORDA, 2011).
Ernesto Nazareth


Trecho da partitura do Choro nº1



Entre os anos de 1924-29, mais uma vez um mestre é alvo das homenagens de Villa. A série de 12 peças intituladas "Estudos" é composta e dedicada a Andrés Segóvia. Até os tempos atuais, tanto os "Choros" como os "Estudos" são repertório obrigatório aos violonistas que ambicionam o profissionalismo e o aprimoramento técnico e virtuosístico.

Andrés Segóvia


A série "Prelúdios" conta com 5 peças dedicadas a sua segunda esposa Arminda, a qual ele chamava carinhosamente de Mindinha. Foram escritas na década de 40.

Concerto Para Violão e Orquestra

Por encomenda de Segóvia, Villa-Lobos compôs uma "Fantasia Concertante" para violão e orquestra. Villa prontamente atendeu seu pedido, que a princípio não contava com a tradicional cadenza entre o segundo e terceiro movimento. Esta seria sua última composição para o violão. o ano era 1951, a saúde de Villa-Lobos começava a abandoná-lo. 8 anos depois, viria a falecer.
Segóvia e Villa-Lobos

Nesta obra, Villa adiciona uma autocitação no segundo movimento, extraído do tema principal das "Bachianas Brasileiras nº 4". Para o primeiro movimento, Villa se inspirou no Nordeste brasileiro. Aliás, como veremos nos próximos capítulos, Villa-Lobos era um grande viajante e pesquisador da música brasileira. E fazia questão de imprimir toda essa "brasilidade" em suas composições. E assim como a cultura de nosso país é abrangente, diversa é a obra de Villa.


Porém, Villa-Lobos resolveu escrever a cadenza e dar de presente a Segóvia, tornando a Fantasia no "Concerto para Violão e Orquestra". Uma obra que encerra com chave de ouro a contribuição do velho Villa ao seu amado instrumento violão.

Em breve voltaremos com mais um capítulo da épica saga de Heitor Villa-Lobos pelo mundo da música. Leiam também a primeira e segunda parte desta jornada.



Referências:

BUENO, Roberto. Pedagogia da Música - Vol. 1. Keybord Editora Musical LTDA. Jundiaí, 2011

SILVA, Francisco Pereira da. Villa-Lobos. Ed. Três. São Paulo, 1974]

TABORDA, Márcia. Violão e Identidade Nacional. Ed, Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2011

Grandes Compositores da Música Clássica: Villa-Lobos. Abril Coleções. São Paulo, 2009

Antônio Carlos Gomes, José Pablo Moncayo, Heitor Villa-Lobos, Alberto Ginastera: Royal Philharmonic Orchestra. Mediasat Group S.A.: texto e documentação Eduardo Rincón: tradução Eliana Rocha. Publifolha. São Paulo 2005 (Coleção Folha de Música Clássica)

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